Debate fiscal e custo político
Ministro não pode decidir questão séria no “afã” dos acontecimentos

A recente crise envolvendo o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) escancarou as fragilidades crônicas da articulação política e da formulação de políticas fiscais do governo federal. A medida, anunciada sem ampla discussão prévia com o Congresso Nacional, gerou forte reação negativa tanto no Legislativo quanto entre agentes econômicos, obrigando o governo a um constrangedor recuo parcial.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atribuindo a decisão ao “afã de dar uma resposta rápida à sociedade”. Essa justificativa, contudo, evidencia precisamente o problema central: a ausência de planejamento estratégico e de coordenação entre o Executivo e o Legislativo, elementos essenciais para a implementação de medidas fiscais eficazes em um sistema democrático. Nenhum ministro pode decidir questões sérias no “afã” dos acontecimentos.
Haddad posteriormente declarou que a rejeição inicial ao decreto foi “positiva”, pois abriu espaço para discutir soluções estruturais para as finanças públicas. Embora a busca por reformas do tipo seja louvável, a impressão que fica é a de uma equipe econômica que pode ter deliberadamente colocado “o bode na sala” para provocar uma discussão mais ampla sobre o ajuste fiscal. Essa abordagem levanta questões fundamentais sobre método político: não seria mais prudente e eficaz construir consensos prévios com o Legislativo, evitando o desgaste desnecessário com parlamentares e agentes econômicos?
“Não seria mais prudente e eficaz construir consensos prévios com o Legislativo, evitando desgaste?”
Diante do ime, membros do governo agora sugerem que parte das correções fiscais poderia ser implementada por meio da reforma do Imposto de Renda, com foco na revisão de instrumentos como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e os Juros sobre Capital Próprio (J).
Paralelamente, discute-se uma tributação mais incisiva sobre fintechs, setor que experimentou crescimento exponencial e hoje representa papel crescente no mercado de crédito nacional. A proposta enfrentará oposição do setor, que alerta para possíveis retrocessos na inclusão e na democratização de serviços financeiros.
Para ações imediatas que dispensam tramitação legislativa, o governo tem recorrido à antecipação de dividendos de empresas estatais. Estima-se que o BNDES possa transferir mais de 10 bilhões de reais à União ainda em 2025, estratégia que visa compensar o fraco desempenho arrecadatório de tributos como PIS/Cofins, que registrou queda real de 5,8% nos primeiros quatro meses do ano em comparação com igual período de 2024, segundo dados da Receita Federal.
Todas as medidas ora especuladas enfrentarão tramitação complexa, e o Congresso, em posição fortalecida após o episódio do IOF, pode exigir a revogação total do aumento como condição para iniciar qualquer debate sobre novas propostas. Essa dinâmica ilustra como decisões precipitadas podem criar ciclos viciosos de negociação, em que o governo perde poder de agenda e margem de manobra.
No pano de fundo dessas movimentações está um problema de método que transcende questões técnicas. A sucessão de erros, recuos e improvisações demonstra a ausência de um projeto claro e consistente para enfrentar os desafios fiscais brasileiros. Essa falta de direcionamento estratégico torna-se ainda mais problemática considerando que pesquisas de opinião indicam crescente desaprovação do governo, sugerindo que o custo político e eleitoral de futuras medidas será progressivamente maior.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947