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Por Marianne Piemonte Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
As novidades, tendências e delícias do mundo do vinho sem um gole de “enochatismo”. Marianne Piemonte é jornalista, sommelière e empresária do mercado de vinhos.

O Cabernet Sauvignon começa a se livrar das amarras de Robert Parker 5y645t

As safras dos últimos anos do Chile surpreendem pela leveza e apontam para um novo caminho 2z1f4p

Por Marianne Piemonte Atualizado em 7 jun 2025, 12h11 - Publicado em 7 jun 2025, 11h47

Quanto se pensa em Cabernet Sauvignon do Chile o que vem a mente é aquele vinho de um tom vermelho escuro, encorpado e bem amadeirado, certo? Errado! Essa bebida superpotente, de cor impenetrável e quase musculosa é resultado da “parkerização”, como ficou conhecido o fenômeno surgido nos anos 90 quando as vinícolas aram a adaptar seus produtos ao que o renomado crítico americano Robert Parker entendia como bom —  ou melhor, que era digno de medalhas com altas pontuações de seus rankings. As medalhinhas na garrafa convertiam-se automaticamente em moedas no caixa e, assim, o estilo acabou se multiplicando. Mas nem sempre foi assim. “Nas décadas anteriores, os vinhos feitos por lá eram mais suaves e até delicados, menos extraídos e com teor alcóolico na casa dos 12%”, conta Paulo Brammer, sócio da Berkamann Wine Cellars Brasil e juiz regular em competições internacionais, como a da revista inglesa Decanter.

Ao que tudo indica, há bons ventos mostrando que o retorno à sutileza e elegância se anuncia. Um dos principais representantes dessa fase é o De Martino Cuvée 2022 Cabernet Sauvignon, que recebeu 98 pontos do Guia Descochados 2025 e ficou entre os três melhores tintos do Chile deste ano. Na safra anterior, em 2024, ele já havia levado o título de melhor tinto do ano. Tive a oportunidade de degustá-lo na Associação Brasileira de Sommeliers, em São Paulo, em prova guiada por Patricio Tapia, autor do guia. A primeira impressão chega a dar nó na cabeça dos degustadores mais experientes: o vinho tem uma cor menos profunda, as notas de frutas vermelhas estão todas lá e o tal mentolado, tão típico desta casta, ficou muito menos irritante (pelo menos para mim). Na boca, ele é delicado, com taninos muito finos (quase um carinho), muito frescor e persistência, um convite irrecusável à próxima taça.

Conversei com Marco De Martino, representante da terceira geração no comando dessa vinícola de quase 100 anos, na Isla de Maipo, uma região que tem clima mediterrâneo e vinhedos com mais de três décadas. Eles foram sendo replantados com auxílio de seleções massal (prática de replantio de novos vinhedos com mudas de videiras antigas selecionadas pela qualidade), a partir de vinhas que chegaram no Chile em 1840, pré-filoxera, praga que devastou vinhedos europeus em 1863. De Martino me contou que o trabalho na vinícola é muito delicado, sem adição de químicas ou de produtos enológicos, que hoje são capazes de grandes mágicas no resultado final, mas conferem ao produto um tom mais industrializado . A vinícola do Chile, felizmente, vai na direção contrária. “Buscamos a elegância, fineza e frescor, mas essencialmente que o vinho mostre de onde vem, sua origem. São fáceis de beber, têm potencial de guarda, mas, se quiser abrir hoje, está pronto”, disse ele. Eu acrescentaria: prontíssimo!

vinho
Marco De Martino: membro da terceira geração à frente de uma vinícola de quase 100 ano na Isla de Maipo (Marianne Piemonte/VEJA)

Quem também já observava esse movimento há algum tempo é o Mateus Turner, brand manager do grupo LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy), no Brasil. “Tanto no Chile quanto na Argentina, eles perceberam a importância da acidez, a necessidade dos vinhos serem mais gastronômicos e assim mais elegantes. São produtos que não precisam necessariamente acompanhar um prato mais pesado ou só carnes”, afirma. Um bom exemplo disso dentro do grupo LVMH são os vinhos da Terrazas de Los Andes, provenientes de três vinhas na Argentina, com altitude média de 1.000 metros, todos feitos a partir de maceração muito suave, que faz a extração necessária de sabor e cor, sem pesar a mão. “Eles também têm usado menos barricas de carvalho e entram em cena as ânforas, que fazem vinhos mais fáceis de beber”, conta Turner. No principal blend da elegante Cheval des Andes, outra vinícola argentina do grupo LVMH, ocorreu uma inversão nas últimas safras: a quantidade de Cabernet Sauvignon ou  a ser um pouco maior que a de Malbec. “Agora é 49% Cabernet Sauvignon, 48% Malbec e 3% de Petit Verdot”, diz Turner. Parece um ajuste insignificante, mas faz enorme diferença no resultado final. Vale lembrar também que a Cheval des Andes é a filha andina da tradicional Château Cheval Blanc, de Bordeaux. Para uma linhagem com tamanho prestígio e valores transmitidos da França, a mudança na Cheval des Antes é relevante e aponta também para um novo caminho.

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UM DESAFIO AOS CONSUMIDORES TRADICIONAIS

Esse novo Cabernet Sauvignon, ou o retorno dele fora das amarras de Robert Parker, tem sido muito bem recebido pelo público e crítica. “Consumidores mais tradicionais, que preferem vinhos mais estruturados como Don Melchor e Alma Viva, não entendem algo assim proveniente do Maipo”, diz De Martino, referindo-se à região do chile famosa pela produção de alguns dos melhores Cabernet Sauvignon do mundo. Os valores também são altos, pois são vinhos feito em pequenas quantidades de maneira muito artesanal e nenhum dos produtores pretende mudar essa fórmula. O De Martino Cuvée 2022 Cabernet Sauvignon, por exemplo, custa no Brasil 1 400 reais. “Os consumidores mais tradicionais não esperam um vinho tão delicado com essa precificação. Acredito que teremos uma curva de aprendizado. Mas não me surpreende se, na próxima década, encontrarmos muito mais exemplares que sigam essa mesma linha de raciocínio”, aposta Brammer.

Na gangorra das gerações que se intercalam entre períodos mais progressistas e conservadores, o desejo desta colunista é que a sutileza das novas safras do Cabernet Sauvignon não seja atropelada pela onda retrógrada que assola o mundo.

Salut!

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